Vamos contar a história de Dona Vitória de Sá, ela era filha de Gonçalo Correia de Sá, irmão de Martim de Sá, ambos filhos de Salvador Correia de Sá, “O Velho”, um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro e dono de engenhos. Dona Vitória era ainda sobrinha de Estácio de Sá e prima de Salvador Correia de Sá e Benevides, governador do Rio de Janeiro e importante personagem nas tramas atlânticas.
Dona Vitória de Sá casa-se em 1630 com D. Luiz de Céspedes y Xeria, nomeado Governador-Geral do Paraguai, em substituição a D. Manuel de Frias (Governador do Paraguai entre 1621-1625), D. Luiz chega ao Rio de Janeiro em 4 de fevereiro de 1628, apesar de nomeado pelo Rei, não recebeu da Coroa os meios financeiros e de transporte para a viagem. Chegou ao Rio de Janeiro, depois de muitos sofrimentos e desafios, todos devidamente registrados em seu diário, somente com o cargo, não tinha dinheiro, não tinha onde ficar, nem condições de prosseguir viagem até o Paraguai. Para a família Sá o casamento era interessantíssimo, e para D. Luiz casar com um membro da família mais rica e poderosa da capital do Império seria uma questão de sobrevivência, e ainda ganhando milhares de quilômetros de terra como dote de casamento. Segundo relatos, esse casamento era mais um dos tantos arranjados em prol de alianças, Luiz de Céspedes y Xeria tinha cargo, porém, não tinha dinheiro, a família Sá muito dinheiro, prestígio, poder e bastante a ganhar com essa união, Céspedes foi nomeado pelo rei de Espanha Governador-Geral do Paraguai partindo, em 8 de Junho de 1628, do Rio de Janeiro, assumindo o governo de uma região comercialmente estratégica, onde existia a Bacia do Prata, com o Rio da Prata, estando estrategicamente localizado, de suma importância para a navegação, uma verdadeira “avenida” para o Oceano Atlântico, escoando mercadorias, com minas de prata, inclusive com a maior mina de prata do mundo na época, a Mina de Potosí, e a importância do casamento era tamanha, que o próprio Salvador de Sá acompanha pessoalmente sua prima, Dona Vitória, em viagem até Assunção para que ocorresse a união. Era necessário assegurar que o casamento aconteceria.
A história de Dona Vitória de Sá nos interessa no momento em que passa pela Sesmaria a qual tinha recebido de seus pais, Gonçalo de Sá e D. Esperança, e é repassada como dote de casamento a D. Luiz, através de uma escritura datada de 21 de março de 1628. No contrato de casamento havia uma cláusula sobre o destino dos bens caso não houvesse herdeiros, pensada em resguardar Dona Vitória: cada um sairia do casamento exatamente com o que entrou, caso houvesse ainda a morte de um antes do outro ou a separação do casal. As terras que passou a ser proprietária eram de grande extensão, como forma de imaginar, seria nos dias de hoje algo como os bairros inteiros de São Conrado, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Taquara, Curicica, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Piabas, Prainha, Grumari e Ilha de Guaratiba.
Luiz de Céspedes y Xeria se alia aos portugueses, principalmente ao Bandeirante e Cristão Novo Raposo Tavares, juntos tramam contra a Igreja Católica, fazem guerrilhas e destroem muitas missões dos Jesuítas do Guaíra, tanto no Paraná, no Rio Grande do Sul quanto no Paraguai. Nessa guerra, não havia como ele ter um resultado positivo, visto que a Igreja Católica nesse período tinha muitos poderes junto a todos os Governos de Estado, com isso, ele perde sua nomeação, é destituído do cargo de Governador-Geral do Paraguai, caindo em total desgraça, e acaba sendo preso, falecendo na prisão.
Dona Vitória de Sá tinha ficado de posse de uma procuração de seu marido para poder gerir os bens do casal, o Engenho do Camorim, enquanto ele viajava ao Paraguai. Após dois anos, Dona Vitória decide viajar ao encontro de seu marido, fazendo exatamente a mesma rota de D. Luiz para chegar ao seu destino. Viajam junto a ela, sua mãe D. Esperança e o sobrinho Salvador Correia de Sá e Benevides. Alguns historiadores afirmam que ela fica no Paraguai a tempo de presenciar o seu marido ser destituído do cargo e ser preso por diversas acusações feitas pelos jesuítas espanhóis, entre elas a de ter se aliado aos Bandeirantes nas destruições das missões dos Jesuítas.
Dizem que D. Luiz e os Bandeirantes haviam escravizados mais de 60 mil indígenas, e que venderam muitos desses indígenas nas Capitanias de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia.
Uma parte dos indígenas guaranis escravizados acabaram por vir parar no Engenho Camorim, de propriedade de D. Luiz e Dona Vitória, o que reforçava a suspeita sobre a cumplicidade dele nos acontecimentos narrados.
Outro que comprovaria essa teoria é a passagem pelo Rio de Janeiro do padre jesuíta espanhol Simon Manceta, em viagem até a Espanha, e que anteriormente havia acompanhado, desde da região do Guaíra, onde aconteceram as guerras contra as missões jesuítas, a triste caminhada dos indígenas que foram escravizados até a Capitania de São Vicente, encontrou e reconheceu 18 indígenas da antiga cidade de Vila Rica, destruída pelos bandeirantes paulistas, no Engenho do Camorim, de D. Luiz e Dona Vitória, e quando questionada pelo jesuíta disse que pertenciam ao seu marido e não a redução de Guaíra.
A presença indígena no Engenho foi bem documentada também na tese “Jacarepaguá, a planície dos muitos engenhos: uma arqueologia do sertão carioca, Rio de Janeiro, século XVII ao XIX” da arqueóloga Silvia Alves Peixoto, defendida em 2019, no Museu Nacional, que mostra o resultado das escavações na região de Camorim, onde ainda hoje se encontra a Igreja de São Gonçalo do Amarante, construída em 1625. Entre outros objetos encontrou a presença de muita cerâmica indígena, comprovando assim a presença dos escravizados indígenas, tanto nas construções, quanto no dia a dia do Engenho.
Outra corrente de historiadores afirma que Dona Vitória de Sá, viúva e sem filhos, já tinha retornado ao Rio de Janeiro, antes da prisão de seu marido, e havia estreitado mais ainda seus laços junto a Igreja, principalmente com os Monges Beneditinos, gastando boa parte de sua fortuna com doações e toda sorte de ajudas, então por fim, doa suas terras, quando da ocasião de seu falecimento, por testamento feito em 30 de janeiro de 1667. O Mosteiro de São Bento é o escolhido como o ente a ser o beneficiado. Curioso era o teor desse testamento, onde se tem em determinado ponto “contendo quatro casas de pedra e cal, coladas às dos governadores, um engenho em Camorim, com igreja, vivenda de sobrado e todos os materiais necessários para a fabricação de açúcar, assim como escravos da Guiné, crioulos e “gente da terra”. Deixou, também, três currais de gado com 100 cabeças e algumas ovelhas, além de “terras desde o rio Pavuna até o mar e correndo a costa até junto da Guanabara com seus montes, campos, restingas, lagoas e rios”, o testamenteiro foi Frei Leão de São Bento. Alguns historiadores entendem que a referência a “gente da terra” se dá aos indígenas.
No corredor principal da Igreja do Mosteiro de São Bento, em frente ao altar-mor, encontra-se o túmulo de Dona Vitória de Sá, e na lápide, lápide essa que esculpida pelo monge português Frei Domingos da Conceição, e que consta o brasão e os dizeres “Sepultura da doadora Da. Vitoria de Sá – Falleceo aos 26 de agosto de 1667”. Em troca de suas doações, Dona Vitória de Sá obriga os Beneditinos a rezarem missa … “Mando que todos os annos no dia de meu fallecimento me Cantem os Religiozos do dito mosteiro um officio e missa cantada por mim e meus defuntos de no princípio do anno que será de nove lições se Transladarão os ossos de meus Pais e de meu marido para a minha sepultura”.
Fotos do túmulo de Dona Vitória de Sá no Mosteiro de São Bento
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